No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quarta temporada, Sara conversa com os arquitetos Francisco Pinto, Francisco Pina, Maria Souto de Moura e Luís Caleiro sobre o projeto de habitação acessível em Lordelo do Ouro, no Porto.
Sara Nunes - Nesta quarta temporada estamos a tentar trazer para o podcast projectos que estão ainda em processo, como é o caso do projecto de hoje, de forma a que quem nos ouve possa também saber mais sobre o futuro das nossas cidades e participar mais activamente no futuro dessas mesmas cidades. Estivemos quase 20 anos sem investir em habitação social. Apenas 2% da habitação é social no nosso país. São valores muito abaixo da média europeia, que está nos 5%. E quer este concurso promovido pela Câmara Municipal do Porto, quer o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), vão-nos permitir um grande investimento em habitação social. Antes de mais tenho uma dúvida e, seguramente, os ouvintes também têm essa mesma dúvida: mudamos o nome de habitação social para habitação acessível. É apenas uma mudança de nome porque os termos “habitação social” ou “bairro social” têm uma conotação negativa ou, realmente, a habitação acessível é uma coisa diferente da habitação social, Maria?
Maria Souto de Moura - No caso deste projecto, em concreto, não se trata de habitação social. Trata-se de uma habitação com rendas acessíveis e isto difere daquilo a que nós, hoje em dia, acabamos por chamar de habitação social porque, a determinado momento, a cidade do Porto, por fruto deste boom de turismo a classe média baixa... ou seja, no fundo, os jovens casais... chegaram a um ponto em que os seus ordenados não permitiam aceder ao mercado de arrendamento e também não eram pessoas elegíveis para ter os apoios da habitação social.
SN - Ou seja, havia uma lacuna grande para essas pessoas.
MSM - Exactamente. Há um gap, no fundo, para esta classe que somos nós.
SN - Que somos nós que estamos todos aqui nesta sala a conversar, não é?
MSM - Exactamente. E, nesse sentido, a Câmara lança este projecto para colmatar este lapso neste tema da habitação, que temos vindo até hoje a debater.
SN - Este projecto faz parte de um concurso, realizado pela Câmara do Porto, no sentido de intervir numa zona da cidade caracterizada por um elevado número de bairros sociais. Esses, sim, bairros sociais diferentes daqueles que estamos a falar aqui hoje.
MSM - Exactamente! Sim.
SN - E com grandes problemas de exclusão urbana, não é?
Pergunto-te Francisco Pina o que vos levou a concorrer a este concurso?
Francisco Pina - Eu acho que aqui um dos grandes desafios era a escala do concurso e o grau de investimento que a Câmara estava a disponibilizar para este tipo de habitação. Para nós também era uma novidade – como estávamos a discutir esta diferença entre a habitação social e a habitação acessível –, tendo em conta a introdução de um grande volume de habitação, os custos acessíveis, o investimento e a gestão pública. Ou seja, este era um caminho sedutor para a escolha do concurso. E, em paralelo, há a proximidade com estes bairros. Desde o Bairro das Condominhas, o Bairro Dr. Nuno Pinheiro Torres, o Bairro da Pasteleira e o Bairro de Lordelo, não é? Este é o mais próximo da nossa intervenção. Há aqui a possibilidade de conseguir coser, de alguma forma, estas duas realidades que são próximas, mas que não têm estado muito juntas. Embora estes bairros estejam numa zona privilegiada da cidade, sempre foram tratados de forma diferente em termos urbanos. Aqui a tentativa é: mais do que só dar habitação, procurar que a cidade também contamine o bairro de uma forma positiva, não é? Quer seja, através de um comércio ou de outro tipo de habitação... lavandarias, cafés, restauração e estrutura viária... Um dos grandes pontos fortes deste concurso no plano de referência é a redistribuição viária, na zona de Lordelo, que passa a permitir uma permeabilidade maior nesse tecido que se une de forma mais clara.
SN - Uma coisa que eu achei interessante, neste concurso, é que, na realidade, eram três concursos, não é? Um era para três dos blocos que foi o que vocês ganharam para os edifícios A B e C, não é?
FP - Exactamente.
SN - Parece uma coisa super abstracta, com letras, e depois há um grupo de arquitectos que ganha...
FP - O D e o E.
SN - O D e o E. Portanto, não foram só pensados os edifícios, mas foi também pensada toda a estrutura urbana como tu estavas a falar: com a nova estrutura viária, as zonas verdes, a requalificação da Ribeira da Granja. Há aqui um projecto de investimento até ambiental, social, entre outras vertentes... por isso é que tu dizias que era muito ambicioso realmente.
FP - Exactamente. A preocupação da Câmara é intervir a nível urbano e depois a nível de habitação, através destes cinco edifícios distribuídos entre três e dois. Como foi referido, nos ganhámos o primeiro e a intenção também da Câmara era parcelar estes concursos e não entregar esta...
MSM - Empreitada...
FP - A Câmara não pretendia entregar toda esta empreitada (usando a expressão) a um só escritório, a um só grupo de pessoas, mas queria conseguir ter alguma diversidade. Isso tem sido um dos pontos fortes, desde o início, e que se mantém: essa diversidade num único só projecto. Ou seja, manter essa diversidade nos diálogos com a equipa de paisagismo e de arranjos exteriores e urbanos e, em paralelo, também com a equipa do D e do E, os outros dois edifícios. São abordagens diferentes, mas que lidam com a mesma problemática e são vizinhas e dependem umas das outras.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a terceira temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- João Maria Trindade
- António Cerejeira Fontes
- Studio MK27
- AND-RÉ
- Adriana Floret
- Pedra Líquida
- spaceworkers
- atelier extrastudio
- Sofia Couto e Sérgio Antunes
- Gonçalo Byrne
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.